Siddhartha

postado dia 08 setembro 2013


Sábia mente vazia. Todo conhecimento ao chão, espalhado, destroçado. A alma na estrada, em algum carro antigo; carro comprado pelo menor preço possível, alma liberta pela falta de preço. Cabelos curtos, a falta do dinheiro causando uma magreza frágil, Joni Mitchell no rádio do carro. Uma carteira de cigarro no banco do passageiro. Cigarros só são bonitos se você não acendê-los, por isso, sempre andei com cigarros e sem isqueiros ou fósforos. Estou vivendo a vida que meus ídolos admirariam. Ídolos que morreram por amarem demais o mundo e odiarem eles mesmos. Ídolos, meus ídolos... Pés de barro, pés como os meus. Sem diplomas, sem emprego definido. Quase cheguei ao ponto de vender os únicos trapos que vestia, trapos que nada valiam. Escrevendo contos, dormindo na casa de desconhecidos ou ao relento. Meus pais em uma cidade distante, do outro lado de um oceano sem nome. Meus pais... Será que sentem saudade da ovelha negra da família católica e conservadora? Saí de casa quando completei dezoito anos de idade, depois de deixar toda a minha família escandalizada. Descobriram que eu morava e namorava com dois rapazes. Foi um caos, o caos. De nada adiantou explicar os conceitos do poliamor. Na língua deles, aquilo não passava de falta de vergonha na cara. Eu, extremamente feminista, fazia o que bem entendia, amava quem eu queria, jamais aceitei casar na igreja. Meus pais me amavam e odiavam na mesma medida. Nunca pude mudar o meu eu. Era ser o que minha alma gritava ou matar-me.

Eu, tão sensível e tão incompreendida. Uma faculdade quase terminada, faltando três meses para receber o diploma, tranquei o curso de Jornalismo. Até a escolha dessa profissão enojava meus pais. Eu poderia ser professora, médica, qualquer coisa... menos feliz. Escolhi a liberdade e a solidão. O amor seria para sempre a minha necessidade secundária. Conheci cachoeiras, mares, cavernas e solidões. Conheci rapazes certinhos, idiotas, marombados e hippies. Só os hippies me ensinaram a ser feliz. O primeiro hippie que conheci se chamava Diego. Tinha dezoito anos quando o conheci, ele havia nascido no mesmo dia que eu, na mesma hora, mesma cidade e na mesma maternidade. Ele dizia que éramos cópias, os seres perfeitos que por acaso encontraram-se. Com ele fugi de casa, fugi do país, aprendi meia dúzia de idiomas, fugi de continente, aprendi yoga, magia e meditação; com ele tive meu primeiro filho que morreu antes de completar os nove meses da gestação. Era um menino, chamava-se Siddhartha; nós o enterramos e um lugar desabitado e no túmulo dele plantamos uma árvore. Nosso menino ganharia a vida que perdeu.

Hoje, dez anos depois, estou no lugar onde enterrei meu filho. A árvore é frondosa e inexplicavelmente bela. Siddhartha... Ao enterramos nosso filho, decidimos que era a hora de uma separação. Eu fui para o México, ele foi para algum lugar da América Central. Hoje voltei para o Brasil, a terra que me deu vida. Embaixo das folhas de meu filho fiquei. Permaneci esperando Diego. Doze meses se passaram desde que cheguei, só depois de doze meses Diego chegou. Acabou preso ao ser encontrado sem documentos, mas ali estava ele. Com algumas rugas, rugas adquiridas por sorrir demais. Os longos cabelos estavam menores, os olhos tinham a mesma alegria. Abraçou Siddhartha sem acreditar na mudança dele. Não era uma árvore, era nosso filho. Juntos, passamos quinze dias com nosso filho. Meditamos, comemos os frutos que nosso filho nos dava, rezamos, sorrimos, choramos... Nosso amor ainda estava vivo, assim como nosso filho. Mas, seres que foram destinados a amarem-se para sempre jamais permanecem juntos. Diego beijou meu rosto, eu beijei as mãos dele. Em uníssono nos despedimos.

Mais uma vez saí sem destino. Um pouco angustiada, mas sorrindo. Do outro lado do mundo existia um homem que me amava, um filho que estava preso ao chão com suas raízes. Tudo era perfeitamente estranho. Pela primeira vez acendi um cigarro.

Oi pessoal! Sou Gleanne Rodrigues, tenho quinze anos e sou ariana. Sou a mais nova colaboradora do blog, postarei meus contos por aqui. Também escrevo no Serendipidade, a minha caverna quase desabitada. Espero que gostem do meu primeiro texto. Beijos!

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27 comentários:

  1. Bem vinda Gleanne, que nome lindo!!!
    Já no primeiro parágrafo pude notar que seus contos são fortes, incisivos e diretos. Sabe quando tem uma mensagem que mexe com a gente? Então.
    Sinto muito por não ter palavras pra esse conto, é sempre assim... Quando leio algo que mexe comigo, as palavras me somem.
    Seu talento nós vemos de longe, nunca pare de escrever.

    PS. Quero um livro seu.
    Beijos
    http://estantedasfadas.blogspot.com.br/

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    1. Obrigada pelo carinho, Carol!
      Sei exatamente o que você sentiu. Agora mesmo fiquei sem palavras para te responder. Mais uma vez, obrigada.
      Beijos!

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  2. Uau! Que lindo! Me emocionei aqui, lindo conto! Escreves muito bem, mesmo! Seja bem vinda por aqui e continue sempre escrevendo, pois você tem dom para isso.

    "Mas, seres que foram destinados a amarem-se para sempre jamais permanecem juntos."
    Certas frases mexem muito com você e eu simplesmente amei essa! Parabéns!

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  3. Olá Gleanne, bem vinda a família do Amiga da Leitora.
    Estou mega surpreso com o seu conto. Me cativou completamente e me fez pensar na vida, tocou meu coração. Sei que deve receber ótimos elogios a respeito de seus escritos, mas quero deixar minha singela opinião de fã de tudo que se é possível ler ; Continue assim, brilhando e emocionando quem se encontra com tais obras *----*
    Beijoooos.
    Lauro,
    http://entreversosepaginas.blogspot.com.br/

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    1. Obrigada pelo carinho, rapaz.
      Vi que você é ariano como eu, rs. Enfim, valeu por tantos elogios. Em breve postarei o próximo conto.
      Beijão!

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  4. Bem vinda, muito lindo o seu conto, fiquei emocionada, você escreve muito bem. Continue postando seus contos aqui, tenho certeza que farão muito sucesso, achei lindo o final "seres que foram destinados a amarem-se para sempre jamais permanecem juntos"..chorei com seu conto, aguardando o proximo,
    beijos.

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    1. Obrigada, Neny.
      Espero que gostem dos próximos contos, rs.
      Beijo!

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  5. Uaaaaau, Muito lindo esse conto Gleanne, realmente muito emocionante eu não teria tanta criatividade para criar um conto como este, Seja bem vinda aqui... e continue postando contos maravilhosos como este... bjs

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    1. Obrigada, Renata.
      É questão de confundir sua alma com a alma dos personagens, moça. Ou talvez nem exista fórmula.
      Beijos!

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  6. Nossa Gleanne,estou sem palavras.
    Primeiramente , Seja Bem Vinda!!!
    Gostei muito do seu conto, espero que os outros sejam tão bons quanto esses. Você escreve muito bem.

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  7. Bem Vinda ^^
    Nossaaaa...sem palavras ..simplesmente perfeito!!! já esperando o próximo =D

    http://livroaoavesso.blogspot.com.br/

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    1. Obrigada, Anne!
      Em breve postarei mais um conto aqui. ^^
      Beijos!

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  8. caralho, achei incrível... :o
    vc escreve muito bem, li bastante empolgada...

    bjs e continue postando contos assim, ^^
    http://torporniilista.blogspot.com.br/

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  9. Seja bem vinda Gleanne , muito lindo seu conto, quem dera eu escrever tão bem assim...
    Espero ver mais de seus contos aqui ;)

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  10. Oi Gleanne seja bem vinda , adorei sua escrito muito linda!
    Vc tem idéia do meu filho, coincidência somos Rodrigues tbm!
    Espero ver muito seus contos aqui!
    bjs

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  11. Olá Gleanne!! Primeiro parabéns por sua escrita, adorei simples e emocionante...
    Seja mega bem vinda, e adorarei ler seus contos, curto bastante mesmo.
    Te desejo todo o sucesso do mundo.
    Bjuss♥

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  12. História pra fazer pensar, muito boa. Dá uma certa angustia...mas é bonita de toda forma.

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  13. Oi Gleanne, seja bem vinda.
    Adorei seu conto, fez-me refletir sobre minha própria existência. Achei lindo e adorei a maneira como você escreve.
    Consegui até me enxergar na protagonista no segundo parágrafo: "(...)tão sensível e tão incompreendida."

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  14. Seja bem-vinda, Gleanne!!!!
    E você já chegou chegando. Mandou super bem com seu conto de estreia aqui. Parabéns!
    Aguardando os próximos contos.

    @_Dom_Dom

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  15. Caramba, tem apenas 15 anos? Muito talentosa, escreve MIL VEZES melhor que muita escritora que faz sucesso (Amanda Hocking e Lili St. Crow). Pare de escrever contos e comece um livro. ^.^

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  16. Que misto de sentimentos foi esse que passou por mim?
    Eu amei amei amei o texto! É maravilhoso!
    Parabéeeeens!!

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  17. Peraí, você tem 15 anos e escreve com essas sentimentalidades toda?!
    Você é incrível! Que texto perfeito!
    Concordo com alguns comentaristas aqui, escreve um livro :D

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  18. Gleanne,nossa seu texto foi escrito de coração,parabéns pela inspiração,você poderia reunir seus textos e publicar pelo face,né?Esperando pelos próximos!
    Seguindo http://www.gleannerodrigues.blogspot.com.br/,amei os textos Infinitos e Francisco!

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    1. Vanessa, muito obrigada pelo seu carinho. São pessoas como você que me fazem escrever.
      Beijos!

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  19. Esse conto eu não gostei muito não. Não sei direito explicar o porque, simplesmente não me conquistou. Talvez seja a maneira como tenha sido escrito...Mas enfim...

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